Dagon foi um Deus Semítico, uma entidade citada no Velho Testamento devotada ao plantio e agricultura, de particular importância para o povo conhecido como filisteus. É claro, Dagon assumiu uma face bem mais sinistra de acordo com a mitologia de Lovecraft. A nefasta entidade figura em duas estórias clássicas: Dagon é A Sombra sobre Innsmouth. Ele é o Senhor dos Deep Ones, uma raça de criaturas meio-homem, meio-peixe. Criaturas que veneram o Grande Cthulhu e que habitam as profundezas dos mares e que tem o incômodo hábito de sequestrar humanos e submeter fêmeas a miscigenação.
Mas como se deu a transição de Dagon, de Deus dos Filisteus para Horror Lovecraftiano?
O Dagon histórico era uma das principais divindades dos filisteus, povo cujos ancestrais migraram de Creta para a costa da Palestina. Ele era um deus da fertilidade, da abundância e das colheitas. Quando ele estava satisfeito contemplava seus seguidores com colheitas abundantes que mantinham longe as privações. Dagon também figurava em conceitos de vida após a morte.
Os Filisteus eram originalmente devotos da Grande Mãe, mas adotaram o culto de Dagon após a invasão de Canaan em 1137 AC. No panteão cananita, Dagon era o pai de Baal e só estava abaixo de El, o Deus Supremo daquele povo. Há registros de seu nome datando da terceira dinastia de Ur, cerca de 25 séculos antes de Cristo.
A iconografia, representa Dagon como uma entidade marinha tendo a parte superior do corpo de homem e da cintura para baixo, sendo peixe. Em outras representações ele é um homem com o corpo coberto de escamas, capaz de respirar, e assim viver no fundo do mar.
Mas porque uma divindade ligada aos campos e plantio seria associada ao mar?
Sempre houve muita controvérsia sobre esse tema. Historiadores acreditam que a associação se deu pelo nome Dagon derivar da palavra hebraica dâg, que significa peixe. A partir de seu nome, Dagon teria ganho o status de entidade marinha.
Alguns estudiosos, no entanto, defendem que Dagon só ganhou uma representação aquática, a partir do momento em que ele passou a ser intimamente associado a deusa Derceto, esta uma entidade que reinava sobre os rios e lagos e que era retratada com o corpo de peixe. Quando Dagon se tornou consorte de Derceto, ele também passou a ter feições marinhas e teria ganho recebido o domínio sobre os mares.
A imagem de Dagon na forma de homem-peixe, porém não é unânime. Existem moedas e documentos em que Dagon é representado como uma divindade terrestre, sem qualquer conotação marinha.
Outra possibilidade é que Dagon tenha sido associado ao mar pelos Fenícios, um povo com longa tradição náutica, que passou a adorar o deus na época em que se lançaram em incursões pelo Mediterrâneo. Os fenícios, teriam transformado a entidade no patrono de suas viagens através de águas desconhecidas e mares perigosos. Há registros que citam os fenícios realizando sacrifícios de animais atirados ao mar para garantir assim a benção de Dagon.
A adoração de Dagon foi bastante evidente na antiga Palestina. A religião era a proeminente em cidades como Azotus, Gaza e Ashkelon. Os filisteus dependiam de Dagon para o sucesso em suas colheitas, mas rendiam a ele homenagens também em tempos de guerra. Para agradá-lo, ofereciam sacrifícios de animais e orações em seus grandes templos. Seus sacerdotes usavam trajes cerimoniais com escamas prateadas e grandes mitras na cabeça. Para seus deveres sagrados usavam bacias de metal e facas curvas empregadas nos sacrifícios. O culto de Dagon permaneceu ativo até o século segundo da era cristã quando o templo de Azotus foi destruído pelos macabeus. A partir de então a religião de Dagon começou a ser substituída por outras crenças introduzidas pelos povos conquistadores.
Os filisteus são citados em várias oportunidades na Bíblia, retratados como inimigos mortais do povo hebreu e uma constante ameaça à Israel. Segundo o Livro de Samuel, a vitória sobre os Fariseus era essencial para o estabelecimento do povo de Deus. Não é estranho portanto que essa religião tenha motivado severas críticas da parte dos autores bíblicos.
Lovecraft escreveu Dagon logo no início de sua carreira, no ano de 1917. A inspiração, segundo ele, veio de um sonho: "Eu sonhei com algo repulsivo, e ainda posso sentir aquela coisa me puxando para baixo da superfície". Lovecraft pode ter se inspirado também no conto "Fishead" de Irving Cobb que trata de seres míticos metade homem, metade peixe.
Em "Dagon", Lovecraft não deixa claro se o monstro é realmente a entidade semítica venerada pelos filisteus. Não há alusão alguma nesse sentido, além da coincidência dos nomes.
Na mitologia Lovecraftiana, entretanto, existe a idéia que muitos deuses e entidades da antiguidade seriam na verdade criaturas dos Mitos. Nesse contexto, Dagon, o monstro marinho, seria a verdadeira face do Deus semítico.
Contudo, também existe a possibilidade de Dagon ser uma entidade inteiramente diferente do mito filisteu. Uma abominação como tantas outras com um nome impronunciável conhecido apenas pelos Deep Ones.
O nome Dagon nesse caso teria surgido apenas quando cultistas humanos passaram a venerá-lo e buscaram na antiguidade algum personagem mítico com o qual pudessem identificá-lo. A figura de Dagon então se encaixaria perfeitamente como entidade análoga por ser uma divindade dos mares meio homem, meio-peixe.
Essa teoria ganha força quando lembramos dos cultistas de Innsmouth em "A Sombra sobre Innsmouth" (1936), a segunda obra a citar Dagon. Nesse conto, os membros da decrépita Família Marsh e da Ordem Esotérica de Dagon, usavam a indumentária de culto, composta de manto e mitra, que remontava aos trajes dos sacerdotes do mundo antigo, com suas bacias metálicas e adagas curvas. É possível que toda a Ordem Esotérica tenha baseado seus rituais no velho culto filisteu.
Lovecraft jamais deixou clara a origem de Dagon ou qual seria a sua intenção ao nomear a criatura um homônimo da divindade semítica. Como muito de sua obra, os Mitos, em mais de um aspecto, permanecem como um mistério. Insondável, inumano, imutável. E assim para sempre devem continuar.