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Loki - O Deus Trapaceiro


Loki é a figura mais misteriosa, complexa, controvertida e de difícil compreensão do panteão nórdico. Tem características ambíguas, atuando ora como um trapaceiro, capaz de trazer mudanças, evolução e crescimento de formas inusitadas, ora como um inimigo dos deuses, provocando a morte de Baldur e conduzindo as forças do caos no combate final do Ragnarök. Ele age como um personagem cômico em episódios divertidos, mas também torna-se um catalisador de infortúnios, intrigas, situações embaraçosas ou eventos trágicos.

Nas descrições de Snorri Sturluson, apesar da ênfase dada aos seus aspectos negativos, nota-se que Loki é um ser astuto e travesso, criativo, mas pernicioso, invejoso e maldoso, sem ser total ou permanentemente ruim, maléfico, cruel ou perverso. Sua ambivalência aparece nos mitos de que participa, agindo tanto de forma criativa (auxiliando os deuses ou encontrando soluções em situações difíceis), quanto destrutiva, provocando perdas, prejuízos ou sofrimento.

Mesmo que muitas estórias sobre maldades sejam complementações tardias feitas por tradutores cristãos - dos textos antigos - em que foi equiparado ao Satã, o elemento presente em todos os mitos de Loki é a sua costumeira conduta como embusteiro, sabotador, ladrão ou fofoqueiro, contando calúnias sobre as deusas ou ofendendo os deuses. Semelhante a outros personagens de mitos ou fábulas, Loki é o trapaceiro arquetípico, egoísta, ardiloso e traiçoeiro, invejoso e caluniador, que prega peças ou cria farsas e confusões, mas também ensina pelos disfarces, brincadeiras, verdades e armadilhas. Assim como o bobo das cortes reais medievais, ele fala a verdade, sem medo de punição e cria situações constrangedoras, sem se preocupar com as regras ou conveniências morais e sociais. Loki é o inimigo da entropia, da acomodação ou inércia; ele usa o caos como uma fria e calculada estratégia para promover mudanças ou ampliar a compreensão, ativando o potencial inato dos espectadores e facilitando o crescimento individual. Como trapaceiro, ele força a exposição fria das verdades, promovendo o reconhecimento das máscaras e das sombras, cobrando o preço inerente aos desafios pela dor, tristeza ou vergonha. Dotado de características cômicas, Loki serviu como motivo e personagem em várias estórias populares e se tornou um herói, que trouxe benefícios à humanidade, além das lições que contribuíam para o crescimento pessoal.

Loki é um arquétipo liminar, ele não pertence por inteiro nem aos gigantes (por ser filho deles), nem aos deuses, com os quais viaja, mora junto em Asgard e participa das suas aventuras, problemas e conquistas. Loki é um agente do caos, mas ligado por um pacto de sangue a Odin, que assim o enquadra na ordem divina; por isso ele age como ele no mundo da ordem temporária com o ilimitado potencial das forças caóticas. Loki manifesta o seu poder desagregador principalmente no Ragnarök, quando ele conduz as forças do caos contra a ordem cósmica e divina, contribuindo para que o mundo voltasse ao caos primordial. Mas esta etapa faz parte do processo evolutivo, que requer a necessária destruição para a renovação e recriação de uma nova e melhor ordem.

No seu mito, Loki aparece como filho do gigante Farbauti (o cruel) personificando o relâmpago e de Laufej (ilha com folhas), sem se especificar se ela era giganta ou deusa. Como ele era conhecido como "filho de Laufey" (e não do Farbauti) supõe-se que por ser sua mãe uma deusa, este fato permitia sua permanência no Asgard - sendo considerado um dos Aesir - e explicava o estranho nome da mãe, associado com a vegetação da terra e as qualidades divinas.

Loki é uma figura sociável, participando de viagens e aventuras junto com os deuses e sentindo-se à vontade do meio deles, assim como junto dos gigantes e monstros. Dotado de poderes mágicos e da capacidade da metamorfose, Loki manifesta o seu lado sombrio na paternidade, sendo pai do lobo Fenrir, de Jörmungand (a Serpente do Mundo), ambos agentes destruidores nos eventos do Ragnarök. Apesar da masculinidade de Loki, que foi casado com a giganta Angrbodda (a destruidora) e viveu aventuras com algumas deusas (Sif, Skadhi e Ziza, esposa deTyr), o tema da homossexualidade passiva (chamada de ergi pelos nórdicos) aparece em alguns episódios dos seus mitos, quando ele se transforma em uma égua e pare Sleipnir, o cavalo mágico de Odin, ou quando acusado de ter usado roupas de mulher. Como o pior insulto era chamar um homem de "égua" e o conceito de ergi sendo menosprezado pelos povos nórdicos como uma fraqueza ou covardia, presume-se que essa característica de Loki contribuía para piorar o seu caráter e fama. Porém, essa ambivalência (mencionada também quando ele usa o manto de penas de cisne de Freyja) depõe a seu favor se for vista como um ato de abnegação por parte de Loki, que sacrificou sua honra e se expôs à ridicularização, quando se metamorfoseou em égua no mito da construção do muro de Asgard e ajudou os Aesir ou se vestiu como camareira da suposta Freyja (o disfarce usado pelo Thor para recuperar seu martelo, roubado pelo gigante).No mito de Baldur, Loki se metamorfoseia na velha giganta Thokk e também assume formas de mosca, pulga e salmão, realçando assim a sua facilidade de mudar de sexo e forma.

Assim como Loki, Odin também foi acusado de ambiguidade sexual por praticar a magia feminina seidhr, o que reforçou os elos entre ambos, consagrados como "irmãos de sangue" pelo pacto tradicional, que selou com o sangue de ambos sua irmandade.

De todos os deuses Loki é o mais próximo de Odin, fato interpretado por alguns escritores como Loki sendo um agente da vontade - explícita ou oculta - de Odin, ou mesmo personificando sua sombra, além de completá-lo, expressando senso de humor, leveza e diversão, traços inexistentes na personalidade de Odin.

Loki também aparece em muitos mitos como companheiro de Thor, que ele ajuda com sua astúcia e rapidez de raciocínio para sair de encrencas ou situações difíceis. Ambos atuam como agentes de mudança, um colocando limites nos exageros comportamentais do outro. Thor é o único deus que Loki realmente respeita, por temer a sua força irracional.

Devido à sua natureza dupla - não se pode ignorar a sombra, mesmo se ela é oriunda de uma luz (Loki era regente do fogo) - não existem evidências sobre algum culto dedicado a ele. Sabe-se apenas que Odin no pacto de sangue teria proclamado que para cada brinde feito a ele, Loki também devia receber um. No entanto, é necessária muita cautela e proteção para que seja feita esta homenagem em algum ritual ou cerimônia, tendo em vista os inúmeros relatos de eventos desastrosos, acidentes ou desavenças que ocorreram em seguida a esse tipo de brinde. Devido ao seu poder, relevância mítica e proximidade com Odin, Loki deve ser reconhecido e respeitado, mas a prudência e o bom senso recomendam não invocá-lo, nem reverenciá-lo. Autores recentes sugerem pingar algumas gotas da bebida (do chifre ofertado a Odin) no fogo, como uma forma respeitosa de honrar Loki.

É possível que ele tenha sido um deus arcaico, personificando o fogo e o calor vital anterior às dinastias Aesir e Vanir, pertencente à raça dos gigantes, regentes das forças destrutivas e incontroláveis da natureza. Como personificação do fogo e do relâmpago e equiparado com Loge, o gigante irmão de Kari (ar) e Hler (água) Loki casou-se com Glut (chama) e teve duas filhas: Eisa (brasas) e Einmyria (cinzas). Sucedidos e denegridos pelos deuses, os gigantes passaram a ser descritos como monstros maléficos, o que explicaria a ênfase dada às características de Loki, culminando com a sua participação destrutiva no Ragnarök.

Sua ligação com o mundo subterrâneo é evidente por ter gerado Fenrir, Jörmundgand - e segundo algumas fontes a própria Hel - além de ser ligado ao mundo dos mortos e representar os impulsos inconscientes e destrutivos da natureza humana. Em algumas fontes Loki é identificado como Lõdur, participando assim da criação dos seres humanos, concedendo-lhes a aparência física, o calor vital, os sentidos e o dom da fala.

Loki tinha com terceira consorte Sigyn, conhecida pela sua dedicação e lealdade a Loki, permanecendo ao seu lado no cativeiro e tentando aliviar o seu sofrimento. Ele era descrito como um homem bonito, alto e esguio, com cabelos ruivos e olhos verdes, com maneiras encantadoras que seduziam as mulheres.

Seus símbolos são as fogueiras, incêndios, erupções vulcânicas, as plantas venenosas e com espinhos e seus animais totêmicos (em que se metamorfoseia): égua, raposa, lobo, serpente, pulga, mosca e salmão.



Fontes: Templo de Apolo, Mitologia Nórdica Online, FAUR,Mirella.O princípio masculino. Os deuses e seus mitos.in:__________.Ragnarok:O crepúsculo dos deuses.São Paulo/SP:Cultrix,2011.Cap. 4.p.192-196
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